Eu odeio amar você

Pedi meu pai pra me levar até lá, já que eu ainda não tinha o meu carro e dificilmente conseguiria esse ano. Tivemos uma agradável conversa no carro sobre como será interessante a festa na casa da tia Lena sábado que vem, já que eu e a Emi poderíamos conversar sobre a faculdade. Foi uma tentativa nada discreta do meu pai para tentar mudar minha opinião, mas ele percebeu que eu não rendi o assunto e resolveu deixar de lado. Iniciando uma nova conversa sobre como minha vida estava sedentária, e eu só ficava lendo e assistindo filmes. Ele queria que eu saísse mais, mas prefiro livros do que dar assunto a pessoas idiotas e sem conteúdo. Ele se esforçava muito pra me dar uma vida mais confortável possível, e eu era muito grata a isso, de verdade. Mas em alguns momentos, parecia que eles queriam me mudar, ou ter uma outra filha, o que era pra ter acontecido.
2 anos antes de eu nascer, minha mãe teve uma filha, o nome dela era Emma. Mas depois dela ter dado a luz, uma enfermeira levou a criança para o berçário, e quando foram procurá-la, ela havia sumido. Começou assim uma busca na cidade pra encontrar a criança e a enfermeira, mas não tiveram muito sucesso e até hoje minha mãe ainda chora por ela. A mulher que a levou sumiu da cidade, ou se escondeu muito bem. A polícia nunca conseguiu encontrar nenhuma pista do paradeiro das duas, sendo assim, as investigações foram concluídas sem sucesso dois anos depois. Eu imagino que, quando eu nasci, foi uma festa depois de tanta tristeza nos dois anos anteriores. Minha mãe me contou tudo isso quando eu tinha oito anos, e até hoje eu imagino a dor que ela sentiu ao perder uma filha que ela teve oportunidade de carregar somente uma vez nos braços. Por isso, eu tento ao máximo agradá-los, mas não na escolha da minha carreira, isso era minha escolha e nada me faria mudar de ideia.
Assim que cheguei na porta do orfanato, beijei o rosto do meu pai e saí do carro. O dia estava gelado, precisei colocar luvas para não fazer nenhuma criança se resfriar. Era um pequeno percurso até a entrada, e meus cabelos já estavam gritando por liberdade dentro daquela touca que ganhei da vovó no meu aniversário de dezesseis anos.
Assim que entrei, tirei a touca e a coloquei dentro da bolsa. Fiz um coque no cabelo, e segui até a sala da supervisora.
− Bom dia, dona Katie.
Eu me aproximei e dei um beijo em seu rosto. Ela cuidava do orfanato ah vinte anos, e nunca tinha visto ela sem um sorriso no rosto. Um exemplo pra pessoas que reclamam de tudo.
− Bom dia querida, animada?
− Claro, esperei por isso a semana toda. –sorri−
Ela me conduziu até uma sala em que as crianças faziam pinturas, elas já estavam sentadas em fila me esperando. Assim que entrei, foi uma explosão de alegria, todas correram pra me abraçar, e aquele era o momento que eu mais gostava da semana. Receber um abraço de quem amava de verdade, não existe um ser mais puro que crianças, e eu amava passar o meu tempo com elas.
Assim que a empolgação foi contida e elas voltaram a se sentar nas mesinhas de madeira, a dona Katie anunciou que eu ficaria com elas até a hora do almoço, e todas elas vibraram de alegria. Comecei a rir junto com elas, e me senti como uma criança novamente!

A manhã foi incrível, a cada semana tenho uma surpresa diferente com as crianças. Eles fizeram um cartão gigante pra mim e deixaram uma mensagem: “ Tia Liv, nós te amamos”
Eu confesso que eu segurei para não chorar na frente deles, eu não sabia como pessoas tinham coragem de abandonar crianças tão adoráveis como aquelas, meu coração se partia só de pensar em quantas situações difíceis cada criança já teve que enfrentar, o quanto tiveram que amadurecer rápido para enfrentar a vida, que pode ser muito cruel com alguns.
Assim que o meu turno acabou, eu me despedi de cada uma com um abraço, e prometi que voltaria semana que vem. A expressão de felicidade no rosto de cada um foi impagável, e ver o sorriso nos lábios de cada um me motivava a acordar todos os dias cedo no sábado. Assim que saí da sala e os deixei na companhia da Mônica, uma outra voluntária, me dirigi até a sala da dona Katie pra me despedir. E como sempre, ela estava com um sorriso no rosto me esperando.
− Como foi o dia hoje querida?
− Foi simplesmente fantástico, elas tem ficado mais espertas a cada dia.
− Fico feliz de ouvir isso querida, mas temo que seja por pouco tempo que ainda poderemos acompanhar a evolução dessas crianças.
Minha cabeça deve ter saído do lugar e demorado um pouco a voltar, porque eu fiquei realmente tonta com aquela informação.
− Como assim?
− Acho que não tem um jeito mais fácil de dizer isso Liv, mas o orfanato vai ser fechado.
Meu coração acelerou, como assim seria fechado? Para onde as crianças iriam? Elas não tinham nenhum lugar pra ficar, aqui era o lar delas.
− Fechado? Por que?
− Falta de verbas, o governo está fazendo uma redução de gastos e disseram que o dinheiro gasto aqui estava além da quantia determinada. Eles decidiram fechar e eu não sei o que fazer.
Eu comecei a me desesperar de verdade, eu nunca perdia a calma, mas aquela situação começou a se tornar sufocante e desesperadora. Como o governo poderia fazer uma coisa desse tipo? Eu não tinha nenhuma dúvida de que a corrupção era grande aqui, mas depois disso, percebi que ela está muito além do que sabemos.
− Dona Katie, quanto tempo temos até esse lugar ser fechado?
− Cerca de seis meses. Foi o prazo estipulado pra conseguirmos arrecadar o dinheiro.
− E qual foi o valor estipulado? –perguntei, já com medo da resposta−
− Quinze mil. – ela disse, com a cabeça abaixada−
Eu sabia que a quantia era enorme, mas não era impossível conseguir isso em 6 meses. Eu não tinha muitas certezas na minha vida, mas eu acabava de ter uma: eu ia salvar aquele lugar, as crianças não iriam a lugar algum.